Indicadores de saúde em mulheres reclusas em estabelecimentos prisionais femininos portugueses

Tese de Doutoramento em Psicologia Aplicada
Introdução: A literatura evidencia o estado de saúde debilitado das mulheres reclusas como
resultado de uma complexa equação com variáveis inerentes à história de vida anterior à detenção,
variáveis inerentes à experiência de estar detida e variáveis inerentes ao estabelecimento prisional.
Considerando esta problemática, é crucial o investimento ao nível da caracterização geral da saúde
e dos seus determinantes, do desenho de planos de intervenção dirigidos às necessidades
específicas de saúde e da prática de ações gerais de saúde durante a reclusão. Em Portugal,
embora exista um número elevado de reclusas em comparação com outros países europeus,
pouco se tem investido na área da saúde em ambiente prisional. Assim, este estudo pretendeu
caracterizar a saúde de mulheres reclusas, demonstrar a necessidade de investimento por parte
das políticas e profissionais de saúde nas prisões femininas e servir de orientação para
intervenções eficazes.
Objetivos: Os objetivos específicos que orientaram a investigação foram: descrever o estado de
saúde geral; conhecer os comportamentos de risco para a saúde anteriores e durante a reclusão;
determinar a prevalência de patologias físicas e mentais diagnosticadas antes da detenção;
conhecer os sintomas físicos e psicológicos relatados durante a reclusão; e conhecer fatores
associados à sintomatologia física e psicológica, assim como à perceção do estado de saúde geral,
durante a reclusão.
Método: Realizou-se uma Revisão Sistemática da Literatura no sentido de aglomerar os
resultados já publicados sobre o estado de saúde geral de mulheres reclusas. Os estudos
realizados em contexto prisional recorreram a três técnicas de recolha de dados: administração
de medidas de autorrelato, condução de grupos focais, e leitura de processos clínicos.
Duzentas e trinta e duas mulheres de dois estabelecimentos prisionais femininos preencheram o
questionário sobre características sociodemográficas, situação jurídica, comportamentos de risco
para a saúde e história de saúde, o RSCL, o SF-12 e duas questões sobre o estado de saúde geral
antes e durante a reclusão. Quinze mulheres participaram nos grupos focais e debateram temas
relacionados com a saúde. Por fim, foi feita a leitura e codificação de 100 processos clínicos. O
tratamento de dados foi feito com recurso a diferentes metodologias: análise quantitativa dos
dados recolhidos com as medidas de autorrelato e dos dados recolhidos na leitura dos processos clínicos, e análise qualitativa do conteúdo dos grupos focais com recurso à técnica de análise
temática.
Resultados: A revisão sistemática da literatura demonstrou o número diminuto de estudos sobre
o estado de saúde geral das reclusas. Todavia, os estudos incluídos evidenciam o estado de saúde
geral debilitado das reclusas e salientam a necessidade de utilizar a prisão como um local de
intervenção na saúde. Os autorrelatos revelaram elevada prevalência de comportamentos de risco
para a saúde anteriores à reclusão e alteração do padrão comportamental durante a reclusão,
essencialmente ao nível dos consumos de substâncias; revelaram também elevada prevalência de
doenças, de queixas de saúde e de consumo de medicamentos, assim como perceção de estado
geral de saúde debilitado. Observou-se ainda que um terço das participantes relatou melhoria do
estado de saúde durante a reclusão. Da exploração de fatores associados à prevalência de
sintomatologia física e psicológica e à perceção do estado geral de saúde durante a reclusão,
verificou-se que o número de doenças crónicas é preditor da sintomatologia física e psicológica e
da pior perceção do estado de saúde. Os dados qualitativos demonstraram a heterogeneidade no
que diz respeito a questões de saúde; sendo que as participantes com doença crónica, as
consumidoras de substâncias ilícitas e as vítimas de violência, reconheceram um impacto positivo
da reclusão na saúde, enquanto as participantes saudáveis e as com doença mental,
reconheceram um impacto negativo da prisão na saúde. A análise dos processos clínicos mostrou
que uma elevada percentagem das participantes já chegou à prisão com diagnósticos clínicos
definidos e/ou com história de consumos de substâncias ilícitas; sendo estas últimas as que mais
recorreram aos serviços clínicos durante o primeiro mês de reclusão.
Conclusões: Os resultados remetem essencialmente para a fragilidade em termos de saúde das
participantes e salientam temas como os comportamentos de risco para a saúde, as doenças
crónicas, os consumos de substâncias ilícitas, as vivências adversas anteriores à reclusão, a
prevalência elevada de sintomas e de queixas de saúde, a elevada procura de cuidados de saúde
durante a reclusão. Temas estes que necessitam de atenção urgente por parte de investigadores
e agentes de saúde, no sentido de serem concebidos planos de intervenção com base nas reais
necessidades das mulheres reclusas e que permitam a potenciação do seu estado geral de saúde.
Também a elevada heterogeneidade desta população deve ser considerada no desenho das
intervenções. Uma intervenção de saúde adequada poderá facilitar a reinserção social, diminuir a
reincidência e proteger a saúde pública.
Introduction: The literature highlight a weakened health status of detained women as a result of
a complex equation of variables related to life history before incarceration, variables related to the
experience of being detained and variables related to the prison environment. Considering this
vulnerability, it is crucial to invest in the general characterization of health, in the design of health
interventions considering the specifics needs of this population and in the practice of general health
actions during incarceration. In Portugal, despite the high number of prisoners compared to other
European countries, little has been done regarding the health care of women detainees. In this
sense, the present research aimed to fill this gap and characterize the health of detained women,
demonstrating the need of investment by health policies and health professionals in female prisons,
and acting as a guide for effective interventions.
Objectives: The specific objectives of the investigation were: describe the general health status;
become aware of the health risk behaviors before and during detention; determine the prevalence
of physical and mental pathologies during the imprisonment; knowing the reported physical and
physiological symptoms; and knowing the factors related with physical and physiological
symptomatology, and with the perception of the general health status during incarceration.
Method: A systematic literature review was carried out to aggregate the already published results
about general health status of incarcerated women. The studies conducted in the prison context
resorted three techniques of data collection: administration of self-report instrument, conduction of
focus groups, and analysis of health records. Two hundred and thirty two women from the two
female prisons fulfill a questionnaire about socio-demographic, juridical, health risk behavior and
health history, the RSCL, the SF-12 and two questions about the health status before and after
detention. Fifteen women participated in the focus groups, debating the health issues. Finally, 100
heath records were read and coded. Data analysis was conducted using different methodologies:
quantitative analysis of the data collected with the self-report measures and data collected with the
reading of the health records, and qualitative analysis of the discourse of the focus groups using
thematic analysis.
Results: The systematic review revealed a low prevalence of studies in general health status of
detained female population. However, the results of the included studies evidence a weak general
health status of the incarcerated women and emphasize the need of considering prison as a health
intervention setting. From the quantitative results, self-reports revealed a high prevalence of health risk behaviors before detention, and a change in the pattern of risk behaviors during incarceration,
essentially regarding illicit drug abuse; also revealed a high prevalence of diseases, health
complains, use of prescriptive drugs and a debilitated general health status; it was also found that
one-third of the participants reported an improvement in their health status during reclusion. From
the exploration of factors associated with the prevalence of physical and psychological
symptomatology and the perception of general health status during the reclusion, the predictive
power of the number of chronic diseases in the increase of the physical and psychological
symptomatology and in the worse perception of the physical and psychological health status was
highlighted. The results of the qualitative data demonstrated the heterogeneity with regard to health
issues; also revealed that participants with chronic disease, illicit drug abuse and victims of
violence, recognized a positive impact of reclusion on health, while healthy participants and
participants with mental disease recognized a negative impact of the prison on health. The results
of the analysis of the health records showed that a high percentage of participants already reached
to prison with defined clinical diagnoses and/or history of abuse of illicit drugs, and revealed the
high use of clinic services during the first month of imprisonment, mainly by women with a history
of illicit drug abuse.
Conclusions: The results highlight the fragility of the participant’s health and emphasized topics
such as health risk behaviors, chronic diseases, consumption of illicit drugs, adverse experiences
previous to confinement, prevalence of health symptoms and health complaints, increased use of
health care during incarceration, which require urgent attention from researchers and clinical staff
in order to design intervention plans based on the real needs of this population that allow the
enhancement of the general health status. Also the high heterogeneity of this population has to be
considered in the planning of the interventions. Suitable health interventions could promote social
reintegration, reduce recidivism, and protect public health.
Este projeto foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), através da
atribuição da Bolsa de Doutoramento com a referência FCT - SFRH/BD/71159/2010.