Impacto psicológico dos acidentes rodoviários nas sua vítimas directas
Pires, Tânia Sofia Fernandes
Tese
Tese doutoramento em Psicologia (área de especialização em Psicologia da Saúde)
Portugal encontra-se entre os países da Europa em que a sinistralidade rodoviária
é das mais elevadas. Para além de ser um tema actual para os cidadãos, os acidentes são
uma das preocupações da saúde pública (OMS, 2009), sendo também considerados
acontecimentos traumáticos (APA, 2002), que podem dar origem a perturbação
psicológica, designadamente Perturbação Aguda de Stress (PAS) e Perturbação de
Stress Pós-Traumático (PSPT). A identificação dos factores de risco que contribuem
para o desenvolvimento de perturbação psicológica tem sido uma das preocupações dos
investigadores, bem como a compreensão da evolução dos sintomas ao longo do tempo.
Num estudo anterior realizado no âmbito de uma tese de mestrado (Pires, 2005),
constatámos a elevada prevalência de sintomas de perturbação em vítimas de acidentes
rodoviários graves, e considerámos que a realização de estudos longitudinais poderia ser
uma mais-valia para a compreensão dos factores de risco para o desenvolvimento de
perturbação psicológica. O presente estudo visa estudar o impacto psicológico dos
acidentes rodoviários nas suas vítimas directas, nomeadamente analisar a evolução
temporal de alguns sintomas psicológicos e os preditores de perturbação psicológica
(PAS, PSPT) nos diferentes momentos de avaliação.
Participaram nesta investigação 101 indivíduos, de ambos os sexos, que
estiveram directamente envolvidos em acidentes rodoviários dos quais decorreram
danos físicos que exigiram internamento e que foram avaliados em três momentos: dias
após o acidente, quatro e 12 meses após a primeira avaliação. Para além da
caracterização sócio-demográfica, os sujeitos foram avaliados acerca das características
dos acidentes e da sua resposta nesse mesmo momento, nomeadamente percepção de
perigo e dissociação peritraumática, relativamente a acontecimentos de vida, sintomas
de PAS e de PSPT, psicopatologia geral, características da personalidade
(neuroticismo), apoio social, coping e situação de saúde.
Os resultados mostraram que alguns dias após o acidente 32.7% apresentaram
sintomas compatíveis com o diagnóstico de PAS. Relativamente à PSPT, verificou-se
que 58% dos participantes apresentaram sintomas compatíveis com o diagnóstico aos
quatro meses e aos 12 meses essa percentagem foi de 46.5%. Quanto à psicopatologia,
verificou-se que nos diferentes momentos de avaliação as vítimas reportaram sintomas
com significado clínico (72.3% na avaliação inicial, 84.2% aos quatro meses e 50.5%
aos 12 meses). Ao longo do tempo, assistiu-se a uma diminuição na psicopatologia geral (av 2 para av 3), no coping geral (av 1 para av 3 e de av 2 para av 3) e no coping de
supressão (av 2 para av 3). Também se assiste a uma melhoria estatisticamente
significativa na situação de saúde (av 1 para av 3) e o apoio social primeiro diminui (av
1 para av 2) e depois aumenta (da av 2 para av 3), Não se encontraram alterações
estatisticamente significativas no neuroticismo ao longo do tempo. O sexo (feminino), a
dissociação peritraumática e a psicopatologia geral (av 1) contribuíram para explicar
66.5% da variância dos sintomas de PAS. Apenas a dissociação peritraumática
contribuiu significativamente para explicar 26.5% da variância de PSPT quatro meses
após o acidente. O coping geral (av 3) e a situação de saúde (av 3) foram as variáveis
que contribuíram significativamente para explicar 29.3% da variância dos sintomas de
PSPT aos 12 meses. Verificou-se que as mulheres apresentaram mais sintomas de PAS,
PSPT (av 2 e av 3) e psicopatologia geral (av 1 e av 2) do que os homens. Não se
encontraram diferenças nos sintomas psicológicos em função da posição ocupada pelas
vítimas aquando do acidente.
A presença de PAS e PSPT após envolvimento em acidentes rodoviários não é
uma experiência rara. O desenvolvimento de perturbação psicológica deve-se a uma
multiplicidade de factores, sendo a dissociação peritraumática o que melhor explica
respostas agudas de stress e sintomas de PSPT aos quatro meses. As variáveis avaliadas
aos 12 meses revelam-se factores fundamentais para predizer PSPT nesse mesmo
momento. A situação de saúde 12 meses após o acidente parece ter um papel muito
importante para explicar os sintomas de PSPT (av 3).
Estes resultados sugerem que, no âmbito da psicologia da saúde, se deve avaliar
e identificar os sujeitos vítimas de acidentes graves cujos sintomas são significativos e a
necessidade de intervenção psicológica, de modo a minimizar o impacto dos acidentes
pelo menos neste tipo de vítimas.
Portugal is one of the European countries where more road traffic accidents
occur. Road traffic accidents are a present concern both for citizens and for public
health authorities (WHO, 2009), and they are described as traumatic experiences (APA,
2002) that can be associated with psychological disorders, such as Acute Stress
Disorder (PAS) and Posttraumatic Stress Disorder (PTSD). Identifying risk factors for
psychological disorders and the evolution of symptoms over time has been the
researchers concern. A previous study (Pires, 2005) showed a higher prevalence of
symptoms among serious road traffic accident victims, and seemed to suggest the
relevance of longitudinal studies in risk factor identification. The present dissertation
aims to study the psychological impact of road traffic accidents on their victims, in
particular the psychological symptoms and the psychological disorder predictors (ASD
and PTSD) over time.
One hundred and one male and female direct victims of road traffic accidents
that needed medical attention were evaluated at three different moments: a few days
after the accident, and then four and 12 months after the first evaluation. Participants
answered questions about social demographical characteristics and about the accident,
their reactions at the time of the accident, particularly danger perception and
peritraumatic dissociation, other life experiences, ASD and PTSD symptoms, general
psychological symptoms, personality (neuroticism), social support, coping and health
status.
Results showed that 32.7% of the participants reported symptoms compatible
with ASD diagnosis few days after the accident; 58% and 46.5% of the participants
presented symptoms compatible with PTSD diagnosis in the second and in the third
assessment, respectively. Some participants reported general psychopathological
symptoms with clinical significance (72.3% in the first assessment, 84.2% in the second
and 50.5% in the third). General psychopathology symptoms (t2 to t3), general coping
(t1 to t3 and t2 to t3) and passive coping (t2 to t3) decreased over time. Health status
increased (t1 to t3) and social support decreased (t1 to t2), and then increased (t2 to t3).
There were no statistical differences on neuroticism over time. Gender (female),
peritraumatic dissociation and general psychopathology (t1) explained 66.5% of the
ASD variance. Peritraumatic dissociation was the only variable that significantly
contributed to explain 26.5% of the PTSD symptoms four months after the accident. General coping (t3) and health status (t3) contributed to the 29.3% PTSD symptoms
variance 12 months after the accident. Women reported more ASD and PTSD (t2 and
t3) and general psychopathology (t1 and t2) than men. When the participants’ position
at the moment of the accident (pedestrians, passengers or drivers) was considered in the
analysis, no differences in psychological symptoms were found.
ASD and PTSD are frequent after road traffic accidents. A large number of
factors can contribute to the psychological disorders after road traffic accidents, but
peritraumatic dissociation is the variable that better explains acute stress responses and
PTSD four months after the accidents. The variables that were assessed 12 months after
the accident were very important to explain PTSD symptoms at that moment in time.
The health status assessed 12 months after the accident gave an important contribution
to the PTSD symptoms (t3).
Based on this evidence, it can be concluded that serious road traffic accidents
victims should be evaluated, and psychological intervention to reduce the psychological
impact of the accidents should be provided, in order to minimize the suffering of the
victims.