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Sexualidade(s) feminina(s) em discurso: grupos de discussão com mulheres jovens

Sexualidade(s) feminina(s) em discurso: grupos de discussão com mulheres jovens

Costa, Cecília Elisabete Vieira da

| 2015 | URI

Tese

Tese de Doutoramento em Psicologia (área de especialização em Psicologia Social).
Nos dias de hoje em dia no Ocidente, cada vez mais a(s) sexualidade(s) são retratadas
como livres e empoderadas. A revolução sexual permitiu esbater a relação entre
sexualidade e reprodução, trazendo uma nova era sexual - mais permissiva - que
prometia romper com a ligação entre sexualidade e compromisso. Os movimentos
feministas e de libertação das mulheres sonharam novas oportunidades e liberdades para
as mulheres. Contudo, apesar das profundas mudanças ocorridas nas relações de género
nas últimas décadas, a investigação social sugere que as representações dominantes das
identidades de género e sexualidade(s) continuam em grande parte inalteradas (Gavey,
2005; Holland, Ramazano!lu, Sharpe, & Thomson, 2004; Hollway, 1995a; Philips,
2000; Sieg, 2007). As mensagens dirigidas às mulheres são contraditórias (Breanne
Fahs, 2011; McRobbie, 2009). Se por um lado são estimuladas a serem sexualmente
descomplexadas e hiper-sexuais, por outro recebem mensagens que sugerem que esse
excesso deve ser contido ou reprimido e só deve manifestar-se quando é socialmente
aceitável.
Com este estudo pretende-se explorar os recursos discursivos disponíveis para as
mulheres jovens portuguesas falarem e sentirem a(s) sua(s) sexualidade(s), isto é sobre
a(s) sua(s) subjetividade(s) sexuais. Questiona-se em que medida é possível encontrar
discursos alternativos e emancipatórios em torno da(s) (hetero)sexualidade(s) e dos
relacionamentos (hetero)sexuais que permitam às mulheres jovens sentir e expressar
desejo e prazer, sozinhas ou acompanhadas, dentro ou fora do contexto de relações
(hetero)afetivas duradouras. É dada voz às mulheres jovens para falarem da(s) sua(s)
sexualidade(s) ao mesmo tempo que é feita uma leitura crítica das implicações dos
discursos e construções discursivas usadas, explorando-se como é que os significados
em torno da sexualidade são (co)construídos e (re)formulados no contexto de grupo. O
estudo foi desenvolvido tendo por base um enquadramento teórico dentro do
Construcionismo Social, da Análise do Discurso e do Feminismo Pós-estruturalista. Os
dados foram obtidos a partir de 6 grupos de discussão feitos em diferentes cidades do
país. No total foram envolvidas no estudo 31 mulheres jovens com idades compreendidas entre os 19 e 27 anos. Quase todas as participantes já se conheciam
antes do grupo de discussão e em alguns casos mantinham relações de amizade.
Relativamente à constituição dos grupos importa sublinhar que um deles era
exclusivamente constituído por feministas. Recorreu-se à Análise Foucaultiana do
Discurso para tratar o material obtido e desenvolver os quatro estudos apresentados. Um
primeiro estudo explora os discursos e as construções discursivas usadas pelas
participantes para falarem sobre a(s) sua(s) subjetividade(s) sexuai(s) feminina(s). Num
segundo estudo exploram-se as construções discursivas usadas para falarem sobre a
primeira relação sexual. Nos dois últimos estudos é feita uma análise do material obtido
em dois grupos de discussão distintos. Num deles exploram-se as dinâmicas em torno
da heteronormatividade gerada num grupo com três participantes auto-identificadas
como heterossexuais e uma participante auto-identificada como não-heterossexual.
Finalmente o último estudo apresentado analisa o material obtido a partir de um grupo
de discussão com feministas e explora em que medida o feminismo oferece espaços de
resistência para a vivência da sexualidade dentro e fora das relações (hetero)afetivas.
Os resultados estão de acordo com a investigação feminista internacional sobre
sexualidade(s) feminina(s), onde o amor e os (hetero)relacionamentos duradouros são
privilegiados em detrimento do prazer e do desejo. Os discursos dominantes de
(hetero)sexualidade e de amor romântico continuam profundamente enraizados na nossa
cultura. Em simultâneo assiste-se à emergência e à apropriação por parte das mulheres
jovens do discurso pseudo-feminista no qual elas, enquanto sujeitos neoliberais
autónomos, únicos e responsáveis pelas suas vidas e destinos, assumem todas as
responsabilidades nos insucessos amorosos. Desafiar as desigualdades de género que
persistem tornou-se numa tarefa difícil mas que continua indispensável. As análises
permitem-nos perceber que apesar de tudo existem alguns espaços de resistência,
sobretudo quando as mulheres jovens são capazes de articular o discurso do desejo ou o
discurso feminista, posicionando-se como agentes e sujeitos da sua(s) sexualidade(s).
Em alguns momentos algumas delas conseguem fazerem leituras críticas da
feminilidade dominante, do discurso romântico e do duplo padrão sexual. No entanto
estas leituras nem sempre são traduzidas nas práticas. O feminismo é desafiado a
desenvolver novas e criativas formas de oferecer resistência às construções dominantes
da(s) sexualidade(s) promovendo a literacia erótica do corpo e do desejo e uma ou
várias versões feministas do romance (Burns, 2003).
Today in the West, sexuality(ies) are increasingly portrayed as free and
empowered. The sexual revolution allowed blurring the relationship between sexuality
and reproduction, bringing a new and more permissive sexual era, which was to break
the link between sexuality and commitment. The feminist and women's liberation
movements dreamed up new opportunities and freedoms for women. Yet despite the
profound changes in gender relations in recent decades social research suggests that the
dominant representations of gender identities and sexuality(ies) remain largely
unchanged (Gavey, 2005; Holland et al., 2004; Hollway, 1995a; Philips, 2000; Sieg,
2007). The messages addressed to women are contradictory (Breanne Fahs, 2011;
McRobbie, 2009). On the one hand they are encouraged to be sexually uninhibited and
hyper-sexual, on the other they receive messages suggesting that this excess must be
contained or repressed and should only be expressed when it is socially acceptable.
This study aims to explore the discursive resources available for young
Portuguese women to speak and feel their sexuality(ies), i.e. their sexual
subjectivity(ies). One wonders to what extent it is possible to find alternative and
emancipatory discourses around (hetero)sexuality(ies) and (hetero)sexual relationships
enabling young women to feel and express desire and pleasure, on their own or
accompanied, inside or outside the context of long term (hetero)affective relationships.
Voice is given to young women to talk about their sexuality(ies) and at the same time a
critical reading is made of the implications of the discourses and discursive
constructions used, exploring how the meanings of sexuality are (co)constructed and
(re)formulated in a group context. The study was developed based on a theoretical
framework within Social Constructionism, Discourse Analysis and Poststructuralist
Feminism. The data was obtained from six focus groups carried out in different
Portuguese cities. In total the study involved 31 young women aged between 19 and 27.
Almost all participants knew each other before the group discussion and in some cases
maintained a friendship. Regarding the formation of groups it is important to note that
one of the focus group was made up only of feminists. The four studies presented here were built up using Foucaultian discourse analysis to treat the material obtained. A first
study explores the discursive constructions and discourses used by participants to talk
about women sexual subjectivity(ies). A second study explores the discursive
constructions used to talk about the first sexual intercourse. The last two studies present
an analysis of the material obtained in two different focus groups. One explores the
dynamics of heteronormativity generated in a group of three participants self-identified
as heterosexual and one participant self-identified as non-heterosexual. Finally the last
study presented analyses the material obtained from a group discussion with feminists
and explores to what extent feminism offers spaces of resistance to the experience of
sexuality inside and outside (hetero)affective relationships.
The results are consistent with international research on women's sexuality(ies),
where love and long-term (hetero)relationships are privileged at the expense of pleasure
and desire. The dominant discourses of (hetero)sexuality and romantic love are still
deeply rooted in our culture. At the same time we are witnessing the emergence and
appropriation by young women of the pseudo-feminist discourse in which, as
autonomous and unique neoliberal subjects, accountable for their lives and destinies,
they assume all responsibilities of the failures of love. Challenging persisting gender
inequalities became a difficult but still essential task. The analyses allow us to realize
that after all there are some spaces of resistance especially when young women are able
to articulate the discourse of desire or the feminist discourse, positioning themselves as
agents and subjects of their sexuality(ies). Sometimes some of them are able to make
critical readings of dominant femininity, romantic discourse and sexual double standard.
However, these readings are not always translated into practice. Feminism is challenged
to develop new and creative ways to offer resistance to the dominant constructions of
sexuality(ies), promoting erotic literacy of body and of desire and one or several
feminist versions of romance (Burns, 2003).
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) SFRH/BD/24008/2005.

Publicação

Ano de Publicação: 2015

Identificadores

ISBN: 101398670