A sugestionabilidade interrogativa em crianças: o papel da idade e das competências cognitivas
Cunha, Alexandra Isabel da Quintã
Thesis
Tese doutoramento Psicologia (área de conhecimento em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas)
Fruto do reconhecimento da necessidade crescente de uma abordagem mais rigorosa e de uma avaliação mais fundamentada dos testemunhos em contextos forenses, o final do séc. XX foi pautado por uma mudança significativa no campo de estudo das memórias falsas, assistindo-se ao aparecimento de um número considerável de investigações no domínio da
sugestionabilidade.
O paradigma da desinformação (misinformation effect) assume-se como aquele que
mais se tem destacado ao nível dos contributos que os estudos modelados em contextos
laboratoriais podem dar na avaliação da veracidade dos testemunhos em tribunal, promovendo
uma compreensão mais ampla e aprofundada, não só das implicações do contexto em que os
interrogatórios são levados a cabo e das técnicas de questionamento ou interrogatório a que as
testemunhas são submetidas (Schooler & Loftus, 1986), mas também do impacto das
diferenças individuais de personalidade e cognitivas no grau de sugestionabilidade evidenciado
por cada indivíduo (Gudjonsson, 1983, 2003; Gudjonsson & Clark, 1986).
No entanto, os resultados destes estudos não têm sido consensuais, despoletando, entre
outras, aquela que é uma das maiores controvérsias patentes na literatura que estuda o papel
da sugestão nos testemunhos de vítimas: a associação entre a idade cronológica e a
sugestionabilidade. De facto, alguns autores defendem que as crianças mais novas são muito
sugestionáveis (Ceci & Bruck, 1993; Ceci, Ross, & Toglia, 1987; Danielsdottir, Sigurgeirsdottir,
Einarsdottir, & Haraldsson, 1993; Warren, Hulse-Trotter, & Tubbs, 1991), por contraponto a
outros que argumentam a favor da sua competência enquanto testemunhas (Duncan, Whitney,
& Kunen, 1982; Flin, Boon, Knox, & Bull, 1992; Goodman & Reed, 1986).
Assumindo a prova testemunhal das crianças uma relevância cada vez maior, e
impondo-se a necessidade de incluir nos processos judiciais o seu testemunho não corroborado,
torna-se determinante clarificar o impacto diferencial que a idade pode ter no grau de distorção
pela sugestão a que os depoimentos podem estar sujeitos. Por outro lado, importa também
perceber o peso e a influência dos factores contextuais e das diferenças individuais no processo
de obtenção de testemunhos em contextos forenses.
Este estudo pretende contribuir para o esclarecimento de alguns destes aspectos, para o
que foram comparados dois grupos de crianças com 7 e 12 anos. Por ser a que melhor reflecte o impacto dos processos de interrogatório, foi quantificada a sugestionabilidade interrogativa
através do recurso a dois instrumentos de avaliação deste fenómeno: as Escalas de
Sugestionabilidade de Gudjonsson (GSS2, Gudjonsson, 1987a) e as Escalas de
Sugestionabilidade em Vídeo para Crianças (VSSC, Scullin & Ceci, 2001). Por outro lado, o efeito
da sugestão foi analisado tendo em consideração a variação de inteligência, de memória
fonológica, de memória visuo-espacial e de atenção/impulsividade dos participantes.
Os resultados indicam que, de facto, as crianças mais novas têm um pior desempenho
nas medidas de evocação e evidenciam maior sugestionabilidade que as crianças mais velhas.
As perguntas das escalas que incluem duas alternativas de resposta falsa são aquelas que
geram maior tendência para a aceitação da sugestão, e também para a alteração de respostas
após a introdução de feedback negativo. A quantidade de informações correctamente evocadas
acerca das histórias das GSS2 e das VSSC, o grau de deterioração da memória, e a tendência
para a confabulação, não se relacionam de forma significativa com a sugestionabilidade das
crianças. Por outro lado, as competências cognitivas das crianças ao nível da memória
fonológica e da memória visuo-espacial e o seu grau de sugestionabilidade interrogativa
apresentam-se como factores independentes. No entanto, o nível intelectual das crianças mais
novas parece mediar a sua sugestionabilidade, na medida em que, melhores competências de
inteligência verbal aumentam a resistência à introdução de perguntas sugestivas nas VSSC, e
também diminuem o grau total de sugestionabilidade. A impulsividade não se associa de forma
linear com a sugestionabilidade interrogativa.
Este estudo deixa assim alguns contributos a ter em conta nas avaliações forenses de
crianças. Há que ter especial cuidado nas entrevistas junto de crianças novas, porque estas, por
comparação com as crianças mais velhas, tendem a mostrar-se mais sugestionáveis. Para além
disso, na elaboração dos questionários deve evitar-se, em particular, a introdução de perguntas
fechadas que propõem duas alternativas falsas, dado o seu impacto potenciador do grau de
aceitação da sugestão nelas contida. A avaliação de crianças novas com poucas competências
ao nível da inteligência verbal deve ter em conta a sua particular dificuldade em lidar com
perguntas sugestivas, e a consequente distorção mnésica que este tipo de procedimentos de
avaliação induz nos seus testemunhos.
Recognized the increasing necessity of more correct approximations and evaluations of
forensic testimonies, in the end of XXth century we assisted to a significant change in false
memories studies leading to the development of a considerable number of investigations in
suggestibility domain.
From a relevance point of view, and considering the innumerous studies and
investigations/work performed in this area, misinformation paradigm, due to its contributions to
the veracity‟s evaluation of court testimonies, plays a distinguished and important role. This
paradigm contributes to an ampler and deepened understanding, not only of context and
questioning techniques implications (Schooler & Loftus, 1986), but also of the impact of
individual differences in personality and cognition on individuals‟ degree of suggestibility
(Gudjonsson, 1983, 2003; Gudjonsson & Clark, 1986).
The relationship between the degree of suggestibility and the chronological age of the
subjects has been considered as extremely controversial in the literature focusing on the role
suggestion plays in witnesses‟ accounts. In fact, while some authors hold that early age is a
factor of suggestion (Ceci & Bruck, 1993; Ceci, Ross, & Toglia, 1987; Danielsdottir,
Sigurgeirsdottir, Einarsdottir, & Haraldsson, 1993; Warren, Hulse-Trotter, & Tubbs, 1991), others
argue that even younger children can be competent witnesses (Duncan, Whitney, & Kunen,
1982; Flin, Boon, Knox, & Bull, 1992; Goodman & Reed, 1986).
Being children‟s testimonial evidences more and more important, and considering the
increasing necessity to include not corroborated testimonies in forensic processes, it becomes
essential to clarify age differential impact in the degree of distortion through suggestion. On the
other hand, vulnerability to suggestion has also been analyzed through the study of context
variations, and individual differences in cognition and personality, in order to understand how the
tendency to develop false memories can be influenced.
Comparing two groups of children of 7 and 12 years old, the current study tries to clarify
the divergences in the relationship between children's interrogative suggestibility and age. Being
the one that better exposes the impact of interrogation processes, interrogative suggestibility was
quantified through two instruments of evaluation of this phenomenon: the Gudjonsson
Suggestibility Scales (GSS2, Gudjonsson, 1987a) and the Video Suggestibility Scales for Children (VSSC, Scullin & Ceci, 2001). On the other hand, suggestion effect was analyzed considering
participants‟ intelligence, phonological memory, visual-spacial memory and
attention/impulsiveness variations.
The results showed that the youngest children perform worst in recall measures and
evidence higher suggestibility than the oldest ones. Two false alternative questions of the scales
generate a greater trend for the acceptance of suggestion and for answer‟s modification after
negative feedback introduction. The amount of information correctly recalled concerning GSS2
and VSSC histories, the degree of memory deterioration and confabulation, did not significantly
relate with children‟s suggestibility. Adding to that, children‟s cognitive abilities, like phonological
and visual-spacial memory, and interrogative suggestibility seem to be independent factors.
However, the intellectual level of the youngest children seems to mediate their suggestibility as
better verbal intelligence abilities leads to higher resistance to the introduction of leading
questions in the VSSC, and also diminish total suggestibility. Impulsiveness and suggestibility did
not linearly associate with each other.
This study bring us some relevant contributes to have in account when dealing with
children‟s forensic evaluations. Special care when interviewing young children must be taken,
given their greater suggestibility, comparing to older children. Introduction of false alternative
questions in questionnaires must be avoided, due to their potential impact in the degree of
suggestion acceptance. The evaluation of young children with low verbal intelligence should take
in consideration their particular difficulty in dealing with leading questions, and the consequent
amnesic distortion that this type of evaluation procedures induces in their testimonies.