Violência de Estado: dos discursos sociais às leituras individuais
Barbosa, Mariana Reis
Thesis
Tese de doutoramento em Psicologia (especialidade de Psicologia da Justiça)
O presente trabalho compreende uma incursão teórica e empírica pelo
fenómeno da violência de Estado. Os autores dedicados ao estudo desta
temática têm alertado para o papel do Estado enquanto perpetrador de
atrocidades, ao violar normas jurídicas e sociais e ao não respeitar os direitos
humanos (e.g., Barak, 2010; Green & Ward, 2004; Kauzlarich, Mullins, &
Matthews, 2003; Rothe & Ross, 2008). A intolerância dos cidadãos face a tais
condutas poderá inibi-las ou pelo menos dificultá-las, especialmente em
sociedades democráticas. No sentido contrário, a sua perpetração pode ser
facilitada pela sociedade civil se esta for, em alguma medida, ‘conivente’,
ignorando, negando ou legitimando as atrocidades cometidas pelo Estado. Por
conseguinte, a sua prevenção tem de passar pela análise dos discursos de
senso comum, com vista à compreensão dos processos cognitivos que as
legitimam. Os estudos empíricos que apresentamos neste texto constituem um
contributo nesse sentido, ao darem conta dos discursos de cidadãos comuns
face à violência de Estado.
Através da análise das respostas de 600 cidadãos portugueses à Personal
and Institutional Rights to Aggression and Peace Survey, foi possível
identificar diferentes níveis de tolerância face à violência de Estado, assim
como os argumentos subjacentes aos mesmos. A partir desta amostra
selecionaram-se trinta e seis participantes, constituindo-se três grupos
contrastantes em função dos níveis de tolerância face à violência de Estado.
Foram realizadas entrevistas a estes participantes sobre cenários hipotéticos
de violência de Estado, construídos com base em dimensões que no primeiro
estudo se assumiram como influenciadoras dos seus níveis de tolerância. Os
resultados do segundo estudo possibilitaram uma compreensão mais
aprofundada dos posicionamentos dos participantes, ao permitirem mapear
significados, representações e processos cognitivos associados à legitimação
da violência de Estado. Da análise efetuada, emergiram duas linhas
predominantes de raciocínio e argumentação em torno do fenómeno. A
primeira diz respeito à defesa de uma intervenção estatal baseada num
princípio de igualdade; já a segunda refere-se aos apologistas de uma
intervenção diferenciada em função das ‘qualidades’ dos indivíduos. Estes últimos revelaram maior tolerância à violência de Estado, corroborando os
estudos que se referem à legitimação das desigualdades sociais como estando
na base de certas formas de violência (Barbeiro & Machado, 2010; Jackman,
2004; Jost & Major, 2001; Major & Schmader, 2001).
This dissertation comprises a theoretical and empirical incursion in the
phenomenon of state violence. Authors dealing with this issue have called
attention to the role of the state as a perpetrator of atrocities when it
violates legal and social rules and does not respect human rights (e.g., Barak,
2010; Green & Ward, 2004; Kauzlarich, Mullins, & Matthews, 2003; Rothe &
Ross, 2008). Citizens’ intolerance towards such conducts might inhibit or at
least hinder them, especially in democratic societies. On the other hand, civil
society might make such perpetration easier if common sense discourses are
to some extent ‘conniving’ by ignoring, denying or legitimizing atrocities
committed by the state. Therefore, prevention of such atrocities should be
dealt with by analyzing common sense discourses in order to understand the
cognitive processes which legitimize them. The empirical studies presented in
this text are a contribution to this as they account for the discourses of
common citizens in the face of state violence. From the analysis of the
responses of 600 Portuguese citizens to the Personal and Institutional Rights
to Aggression and Peace Survey, we were able to identify different tolerance
levels towards state violence as well as the underlying arguments for them.
These results were the starting point for the main empirical study. Thirty-six
participants were selected from the sample of the first study, and were
divided into three contrasting groups according to the tolerance levels
towards state violence. These participants were interviewed about
hypothetical scenarios of state violence based on dimensions which emerged
as influencing their tolerance levels in the first study. The results of this study
allowed for a deeper understanding of the participants’ positioning by
enabling meanings, representations and cognitive processes associated with
legitimization of state violence to be mapped. Two predominant lines of
reasoning and argumentation around the phenomenon emerged from the
analysis. The first one comprises the participants who defend/support a state
intervention based upon a principle of equality, while the second one refers
to those in favour of a differentiated intervention according to the ‘qualities’
of individuals. The latter adopted dehumanizing discourses that appeared as
enhancing tolerance towards of state violence, which corroborates studies about the role of legitimation of social injustice in the legitimation of certain
forms of violence (Barbeiro & Machado, 2010; Jackman, 2004; Jost & Major,
2001; Major & Schmader, 2001).
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pelo apoio financeiro que me foi
concedido através da Bolsa de Doutoramento (SFRH/BD20902/2006), no
âmbito do Programa Operacional Ciência e Inovação (POCI) 2010 apoiado pelo
Fundo Social Europeu (FSE).