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Ensaiar a maternidade : estudo sobre os processos de construção dialógica de uma identidade maternal

Ensaiar a maternidade : estudo sobre os processos de construção dialógica de uma identidade maternal

Duarte, Ana Filipa de Almeida

| 2010 | URI

Thesis

Tese de doutoramento em Psicologia (área de conhecimento em Psicologia Clínica)
Os seres humanos são continuamente desafiados pela riqueza e diversidade da
sua experiência subjectiva a desenvolver e organizar processos de construção de
significado, de forma a regular as suas relações com o ambiente social e a desenvolver
um sentido de identidade e de coerência pessoal (Valsiner, 1998). Estes desafios
parecem ser particularmente relevantes nos momentos de transformação
desenvolvimental que pontuam o ciclo de vida dos indivíduos, na medida em que
exigem uma actualização dos seus significados pessoais no sentido de permitir a
integração das novas experiências (Hermans & Hermans-Jansen, 2003). Neste contexto
a transição para a maternidade afigura-se como uma das tarefas desenvolvimentais
normativas mais relevantes e exigentes no percurso de vida de uma mulher, consistindo
numa fase do ciclo vital em que alguns elementos da identidade prévia são ameaçados e
novos elementos terão que ser integrados. Assumindo também que a maternidade
constitui um fenómeno associado a intensas prescrições culturais, propomo-nos
investigar de que modo é que um grupo de mulheres à espera do primeiro filho elabora
narrativamente a sua adaptação à maternidade. Analisamos igualmente a natureza dos
processos dialógicos desencadeados pela consequente transformação identitária pessoal.
As questões suscitadas e os objectivos definidos neste trabalho decorrem de um
enquadramento teórico norteado fundamentalmente pelos modelos dialógicos da mente
humana, em particular pela teoria do self dialógico. Como tal, iniciamos a componente
teórica desta dissertação por uma revisão dos principais pressupostos e linhas
conceptuais deste modelo, analisando criticamente a evolução da própria teoria e as
contribuições inovadoras que a sua formulação final acrescenta à teorização do self. De
seguida, apresentamos uma síntese de algumas propostas mais recentes que convidam a
uma análise das dinâmicas dialógicas a partir de um ponto de vista desenvolvimental.
Por fim, e considerando a temática seleccionada como ilustração destes processos de
negociação da identidade pessoal, expomos uma reflexão crítica em torno dos factores
sociais e históricos que contribuíram decisivamente para a construção e delimitação do fenómeno cultural da maternidade, quer ao nível dos seus significados, quer ao nível da
prescrição das suas práticas.
No plano empírico conduzimos uma investigação de natureza eminentemente
qualitativa junto de uma amostra de 11 mulheres, prestes a experimentar a maternidade
pela primeira vez. Atendendo aos objectivos de pesquisa delineados e ao
enquadramento conceptual definido, o estudo organiza-se em duas partes
complementares do ponto de vista dos procedimentos de análise. A primeira parte é
dedicada à identificação dos recursos linguísticos utilizados pelas participantes no
processo de significação das suas recentes experiências gravídicas e maternais e
permitiu, sobretudo, caracterizar a complexa teia de significações a partir da qual estas
mulheres atribuem sentido e coerência a esta nova fase do desenvolvimento da sua
identidade pessoal. As diferentes trajectórias discursivas observadas conduziram-nos à
distinção de três sub-grupos de participantes em função do modo como negoceiam a
integração de uma nova posição maternal no seu repertório prévio.
Na segunda parte do estudo empírico, a análise microgenética e comparativa dos
processos semióticos presentes nos relatos dos três sub-grupos levou-nos a concluir que
algumas participantes se identificam de modo mais relevante com a ideologia
tradicional, passando a desvalorizar significativamente a sua posição profissional. Para
este sub-grupo, que designámos de Desvalorização da identidade profissional, a
posição profissional passa a ser associada sobretudo a imposições externas e
socialmente sugeridas. Por sua vez, o sub-grupo a que chamámos Ambivalência
emocional e pressão institucional distingue-se por uma valorização pessoal de ambas as
posições identitárias consideradas, conduzindo a um nível significativo de conflito intrapessoal
e ao desenvolvimento de estratégias de flexibilização do campo semiótico “boa
mãe”. Finalmente, o sub-grupo Valorização da maternidade pelo exercício profissional
destaca-se dos restantes pela construção de uma estrutura semiótica particularmente
inovadora, porquanto inverte as concepções dos discursos tradicionais, apresentando o
exercício profissional como uma mais-valia para uma maternidade plena, satisfatória e
mais adequada. Esta situação materializa uma resistência absoluta às prescrições
culturais e uma reconstrução transformadora do campo semiótico hiper-generalizado do
qual partem, viabilizando percursos de significação alternativos e mais personalizados.
Human beings are continuously challenged by the richness and the diversity of
their subjective experience to expand and organize processes of meaning construction,
in order to both regulate their relations with the social environment and develop a
personal sense of individuality and coherence (Valsiner, 1998). These challenges seem
to be particularly relevant at those times of developmental transformation inherent to the
life cycle of individuals, since they require an update of their personal meanings in
order to assimilate these new experiences (Hermans & Hermans-Jansen, 2003). In this
context, transition to motherhood presents itself as one of the major normative
developmental tasks in a woman’s life course and it corresponds to a phase of the life
cycle during which some elements of previous identity are threatened and new elements
must be integrated. Moreover, assuming that motherhood is a phenomenon associated to
very influential cultural prescriptions, we intend to explore the meanings constructed by
a group of women expecting their first child in order to elaborate their adjustment to
motherhood. Also, we examine the nature of dialogical processes triggered by the
resulting change in personal identity.
Questions and goals defined within this work result from a theoretical
background essentially guided by dialogical models of human mind, particularly the
dialogical self theory. As such, we begin the theoretical section of this dissertation with
an overview of this model main assumptions and conceptual guidelines and with a
critical analysis of the theory development and of some innovative contributions to the
conceptualization of the self offered by its final formulation. Following, we suggest an
articulation of most recent proposals that invite to a developmental analysis of
dialogical dynamics. At last, and attending to the theme selected as an example of these
processes of personal identity negotiation, we present a critical review of social and
historical factors that decisively influenced the construction and definition of
motherhood’s cultural phenomenon, both at meaning and practical levels.
In the empirical section, we carried out an essentially qualitative research with a
sample of eleven women which were about to experience motherhood for the first time. Considering the research goals previously defined and the outlined theoretical
framework, the study is organized into two complementary analytic parts. The first part
of the study is dedicated to the identification of linguistic resources used by participants
in the discursive elaboration of their recent experiences of pregnancy and motherhood.
Globally, this first part of the study enabled us to make a depiction of the complex
meaning matrix used by these women to assign some sense and coherence to this new
phase of development in their personal identities. The observation of different
discursive trajectories suggested the discrimination of three sub-groups of participants
depending on the way the assimilation of a new maternal position in their previous
repertoire was negotiated.
In the second part of the empirical study, the microgenetic comparative analysis
of semiotic processes identified in the reports of the three sub-groups lead us to
conclude that some participants identify themselves more strongly with the traditional
ideology and, thus, devaluate their professional position in a significant way. To this
sub-group, named as Depreciation of the professional identity, the professional position
becomes basically associated to external and socially suggested impositions. In turn, the
sub-group that we called Emotional ambivalence and institutional pressure values both
identity positions equally, leading to significant levels of intrapersonal conflict and
triggering the development of strategies to make the semiotic field “good mother”
somehow more flexible.
Finally, the sub-group Valuation of motherhood through professional
performance is quite distinctive due to the construction of a particularly innovative
semiotic structure, given that it inverts the conceptions of traditional speeches by
presenting professional activity as an advantage to achieve a full, pleasing and more
adjusted motherhood. This situation reveals an absolute resistance to cultural
implications and suggests a transforming reconstruction of the hyper-generalized
semiotic field these women depart from, sanctioning alternative and more personalized
meaning constructions.
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)
Programa Operacional Ciência e Inovação (POCI) 2010
Fundo Social Europeu
(FSE).

Publicação

Ano de Publicação: 2010