A identidade dialógica de um prisma empírico : um estudo sobre a conjugalidade
Rosa, Catarina Pires da
Thesis
Tese de doutoramento em Psicologia (área de conhecimento em Psicologia Clínica)
Segundo a perspectiva dialógica, a identidade não pode ser resumida a um agente
único, central e imutável. Pelo contrário, é uma organização em constante mudança,
composta por um conjunto complexo e dinâmico de posições do eu, que se encontram em
permanente relação. O sentido de autoria vai sendo construído no tempo, a partir do
encontro entre as diferentes vozes da identidade. Apesar desta fluidez, o sistema identitário
necessita de manter um certo grau de integração e coerência, o qual é conseguido através de
estratégias de auto-organização. Partindo deste enquadramento teórico, o presente projecto
de investigação pretendeu explorar, de uma perspectiva empírica, a visão dialógica da
identidade.
O estudo inicial é dedicado à dimensão metodológica e é apresentado através da
análise detalhada de um estudo de caso. Em primeiro lugar, desenvolveu-se um
procedimento de investigação que pretende aceder, estudar e compreender a comunidade de
posições que habita o sistema identitário - a Tarefa de Articulação Dialógica (TAD). Nesta
entrevista semi-estruturada, os participantes são estimulados a pensar na forma como se
vêem e descrevem a si próprios. É-lhes pedido que identifiquem as dimensões que
consideram mais descritivas de si, tendo em conta que, no decorrer do nosso quotidiano,
assumimos facetas diversas, e até mesmo contraditórias, dependendo de um complexo
conjunto de contingências (contextuais, históricas, relacionais, entre outras). São ainda
convidados a imaginar que estas posições têm uma voz independente e a descrever os
diálogos que estabelecem entre si. Em segundo lugar, surgiu a necessidade de encontrar um
tipo de análise do material narrativo que permitisse aprofundar a capacidade autoregulatória
do sistema identitário. Deste modo, a perspectiva teórica de que a identidade
dialógica se organiza através de uma estruturação hierárquica de significados serviu de base
à elaboração de uma metodologia de análise microgenética do processo de construção de
significado. Esta linha metodológica foi testada num estudo empírico sobre a conjugalidade. A
relação conjugal é indubitavelmente uma dimensão central e dominante na vivência do ser
humano e os dados recolhidos no estudo inicial permitiram salientar o papel relevante que a
posição de identidade Eu Conjugal ocupa no sistema identitário. Neste sentido, procedeu-se
ao estudo pormenorizado desta posição específica com o objectivo de acompanhar as
transformações que podem ocorrer na identidade dialógica adulta. Para compreender o
desenvolvimento desta posição no tempo, constituiu-se uma amostra com 9 casais em três
momentos distintos do ciclo de vida conjugal: grupo 1 – 3 casais sem filhos; grupo 2 – 3
casais com filhos pequenos e/ou em idade escolar e grupo 3 – 3 casais com filhos adultos.
Os dados resultantes deste estudo são apresentados de duas formas distintas, que
representam diferentes graus de elaboração da análise: os resultados preliminares são
fundamentados na comparação pormenorizada entre dois estudos de caso e os resultados
finais englobam a contrastação dos três grupos da amostra nas dimensões estrutura e
organização da identidade. Relativamente às conclusões mais relevantes podemos destacar
a compreensão de que a organização das relações entre as posições de identidade poderá
assentar na acção combinada de três estratégias de gestão (o Sistema Hierárquico, o
Sistema de Prioridades e a Ambivalência) e a identificação de 6 padrões recorrentes nas
dinâmicas intrapessoais (A – Padrão de Alienação Monológica, B – Padrão de
Exclusividade Intencional, C – Padrão de Autoritarismo, D – Padrão de Liderança, E –
Padrão de Multivocalidade Monocórdica e F – Padrão de Complementaridade Dialógica).
Para finalizar, foi desenvolvida uma reflexão teórica sobre a aplicabilidade deste
procedimento de investigação no campo da psicoterapia. Neste sentido, perspectivou-se a
relevância da TAD e dos resultados obtidos no estudo empírico para o contexto de uma
intervenção terapêutica dialógica.
According to the dialogical perspective, the self cannot be reduced to a unique,
unchangeable and central agent. On the contrary, it is a constantly moving organization,
composed by a dynamic and complex multiplicity of I-positions. The sense of authorship is
being constructed in time by the jointed action of these voices or self dimensions. Despite
this dynamism, the self-system needs to preserve a sense of coherence and integration,
which is achieved through the action of self-organization strategies. Departing from this
theoretical background, this project represents an attempt to approach the dialogical self
from an empirical point of view.
The initial study is devoted to the methodological dimension and it is presented
through the detailed analysis of a single case. First, it was developed a procedure to access
and study the community of I-positions inhabiting the self-system - Dialogical Articulation
Task (DAT). In this semi-structured interview participants are invited to think about the
way they see and describe themselves. They have to identify the most descriptive
dimensions of their selves, considering that we assume different, and even contradictory,
facets depending on complex life contingencies (contextual, historical, relational, among
other). Furthermore, they are encouraged to imagine that these I-positions have an
independent voice in order to narrate the possible dialogues existing between them.
Secondly, we departed from the perspective that the dialogical self organizes itself through
a hierarchical structure of meanings to analyze the ongoing process of intrapersonal
dynamics management. In order to do this, it was developed a procedure of microgenetic
analysis of the meaning-making process.
This methodological pattern was tested in an empirical study about conjugality. On
one hand, the marital relationship is a central and dominant dimension of the human
experience. On the other hand, the results from the initial study revealed the relevant role of
the I as a Marital I-position in the self-system. In this way, we studied the changes occurring in the dialogical self by focusing on this specific I-position. Our sample was
composed by 9 couples from three different moments of the marital life cycle: group 1 – 3
couples without children; group 2 – 3 couples with babies or children at school age and
group 3 – 3 couples with adult children. The data are presented in two ways, implying
different levels of analysis: the preliminary results derive from the comparison of two
single cases and the final results contrast the three groups of the sample. The most relevant
results lay on the understanding that the intrapersonal dynamics could be managed by the
jointed action of three strategies (Hierarchical System, Priorities System and Ambivalence);
and on the identification of 6 recurrent patterns of relation between the I-positions (A –
Monological Alienation Pattern; B – Intentional Exclusivity Pattern; C - Authoritarianism
Pattern; D – Leadership Pattern; E – Monochord Multivocality Pattern and F – Dialogical
Complementary Pattern).
To conclude, it was developed a theoretical reflection about the applicability of this
empirical procedure in the psychotherapeutic field. In this way, the relevance of the DAT
and of the results from the empirical study to the context of a dialogical therapeutic
intervention was put in perspective.
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) - Bolsa de Doutoramento SFRH/BD/13496/2003