Um olhar crítico sobre a Psicologia Vocacional : género, classe social e relação família-trabalho em adolescentes e jovens adultos e adultas
Ferreira, Sara
Thesis
Tese de doutoramento em Psicologia (área de especialização em Psicologia Vocacional)
O trabalho que se segue debruça-se sobre três temas fundamentais e a sua relação com o
desenvolvimento da carreira: o género, a classe social e a relação família-trabalho. Parte de uma
constatação, devidamente fundamentada na introdução desta dissertação, de que as
concepções teóricas mais tradicionais em Psicologia Vocacional têm-se revelado incompletas no
que concerne a compreensão e o apoio ao planeamento da carreira, dado o contexto sócioeconómico
actual caracterizado, acima de tudo, pela rápida mudança e consequente
instabilidade. Urge uma atenção mais marcada às especificidades contextuais, nomeadamente,
ao género e à classe social e urge a promoção de um foco paralelo entre o planeamento da vida
profissional e o planeamento da vida pessoal e familiar.
Enquadramos, em primeiro lugar, as nossas preocupações de investigação, fazendo uma
incursão sobre alguns dos principais contributos teóricos para a compreensão do papel das
variáveis género (Capítulo 1 – “Um olhar crítico sobre a Psicologia Vocacional: género e
feminismos”) e classe social (Capítulo 2 - “Um olhar crítico sobre a Psicologia Vocacional: classe
social”) no desenvolvimento da carreira e sobre a linha de investigação recente e multidisciplinar
relativa à compreensão da relação entre a família e o trabalho (Capítulo 3 - “Um olhar crítico
sobre a Psicologia Vocacional: a relação família-trabalho”).
Estabelecemos como principal objectivo deste trabalho, a partir de um posicionamento
construcionista social e com uma intenção essencialmente exploratória, compreender como é
que um grupo de jovens das novas gerações está a delinear os seus planos de carreira, dado o
contexto sócio-económico actual e dado os seus contextos específicos. De um modo concreto,
quisemos ouvir e interpretar os significados atribuídos por um grupo de participantes às suas
escolhas e planos profissionais e pessoais e à antecipação da relação família-trabalho.
Cruzando um conjunto de variáveis importantes para as temáticas em causa,
nomeadamente, o sexo, o tipo de curso do ponto de vista do género, a classe social e o nível de
ensino, realizamos entrevistas em grupo com os seguintes grupos: (1) Raparigas nos cursos
superiores de Engenharia Mecânica e Engenharia Civil; (2) Rapazes nos cursos superiores de
Engenharia Mecânica e Engenharia Civil; (3) Raparigas no curso superior de Psicologia; (4)
Rapazes no curso superior de Psicologia; (5) Raparigas no curso secundário científicohumanístico
de Ciências e Tecnologias; (6) Rapazes no curso secundário científico humanístico
de Ciências e Tecnologias; (7) Raparigas no curso secundário científico-humanístico de Línguas e
Humanidades; (8) Rapazes no curso secundário científico-humanístico de Línguas e Humanidades; (9) Raparigas no curso profissional de Informática; (10) Rapazes no curso
profissional de Informática; (11) Raparigas nos cursos profissionais de Gestão Autárquica e
Contabilidade; (12) Rapazes nos cursos profissionais de Gestão Autárquica e Contabilidade.
A informação recolhida foi analisada a partir da Análise Temática (e.g., Braun & Clarke,
2006) e da Análise Foucaudiana do Discurso (e.g , Arribas-Ayllon & Walkerdine, 2008; Parker,
1997, 1998; Willig, 1999, 2003, 2008).
Num primeiro momento foram identificados dois grandes temas: (1) Escolhas e planos
profissionais e (2) Planos pessoais e antecipação da relação família-trabalho. Depois, dentro de
cada tema, foram identificadas várias construções discursivas. Um primeiro conjunto de
construções discursivas permitiu que percebêssemos como diferentes concepções sobre a
identidade de género estão na base das escolhas e dos planos profissionais destes e destas
participantes. Identificamos, depois, um segundo grupo de construções discursivas que ilustram
a forma como a classe social exerce influência na forma destes e destas participantes atribuírem
significado ao papel do trabalho, influenciando, assim, as suas escolhas e planos profissionais.
E, finalmente, apresentamos um último conjunto de construções discursivas que evidenciam a
importância de condicionalismos institucionais e de factores como a divisão dos papéis da
família e do trabalho entre homens e mulheres e a saliência atribuída a cada um destes papéis
na forma como os e as participantes elaboram os seus planos pessoais e antecipam a relação
entre a família e o trabalho.
Este trabalho permitiu reforçar a convicção de que, quer o género, quer a classe social,
exercem um papel fundamental no desenvolvimento das carreiras de adolescentes e jovens
adultos e adultas e salientar este papel de um ponto de vista construcionista social, tendo feito
emergir discursos opressivos, regulados pelas normas de género e classe social. Permitiu
também evidenciar a urgência da atenção ao planeamento da vida pessoal em paralelo com as
escolhas e planos profissionais, numa lógica também construcionista social, de antecipação e
prevenção de conflito entre ambas as esferas.
The following work focuses on three key themes and their relation to career development:
gender, social class and family-work relations. It proceeds from a finding established in the
introduction to this thesis that the more traditional theoretical concepts in Vocational Psychology
have proved incomplete in understanding and giving support for career planning, given the
current socio-economic context, which is characterized, above all, by rapid changes and
consequent instability. A stronger emphasis on contexts’ specificities, namely, gender and social
class is needed, as well as the promotion of a parallel focus on occupational planning and
personal and family life planning.
In the first place, we framed our research concerns by researching some of the major
theoretical contributions to understand the role of gender (Chapter 1 – “A critical view on
Vocational Psychology: gender and feminisms) and social class (Chapter 2 - “A critical view on
Vocational Psychology: social class”) in career development, and also the recent multidisciplinary
line of research that studies the relations between family and work (Chapter 3 – “A critical view
on Vocational Psychology: work-family relations”).
The overall aim of this study was, based on a social constructionist position and with an
essentially exploratory intention, to understand how a group of young people from a new
generation is outlining their career plans, given the current global socio-economic environment
and given their specific life contexts. More specifically, way we wanted to listen and interpret the
meanings given by a group of participants to their occupational and personal choices and plans,
as well as to the anticipation of the relations between family and work roles.
Crossing a range of important variables for the issues in discussion, namely, sex, type of
course in terms of gender, social class and education level, we conducted group interviews with
the following groups: (1) Girls in the undergraduate courses of Mechanical Engineering and Civil
Engineering; (2) Boys in the undergraduate courses of Mechanical Engineering and Civil
Engineering; (3) Girls in the undergraduate course of Psychology; (4) Boys in the undergraduate
course of Psychology; (5) Girls in secondary school in scientific-humanistic course of Science and
Technology; (6) Boys in secondary school in scientific-humanistic course of Science and
Technology; (7) Girls in secondary school in scientific-humanistic course of Languages and
Humanities; (8) Boys in high school in scientific-humanistic course of Languages and
Humanities; (9) Girls in the vocational course of Informatics; (10) Boys in the vocational course of Informatics; (11) Girls in vocational courses of Municipal Management and Accounting; (12) Boys
in professional courses of Municipal Management and Accounting.
The collected information was analysed using Thematic Analysis (e.g. Braun & Clarke,
2006) and Foucauldian Discourse Analysis (e.g Arribas-Ayllon & Walkerdine, 2008; Parker, 1997,
1998; Willig, 1999, 2003, 2008).
First of all, we identified two major themes: (1) Choices and occupational plans and (2)
plans and personal anticipation of work-family relationship. Then, within each theme, we
identified several discursive constructions. A first set of discursive constructions allowed us to
realize how different conceptions of gender identity underlie the choices and career plans of
these participants. Then, we identified a second set of discursive constructions, which illustrate
how social class influences the meaning that the participants gave to their work role, thus
influencing their occupational choices and plans. And finally, we present a final set of discursive
constructions that show the importance of institutional constraints and factors like the division of
family and work roles between men and women, and the importance given to each of these roles,
in how the participants draft their personal plans and anticipate the relationship between family
and work.
This work has allowed us to strengthen the conviction that gender and social class play a
key role in the career development of adolescents and young adults, and to emphasize this role
from a social constructionist perspective, as it enabled the emergence of oppressive discourses,
which were regulated by the standards of gender and social class. It also highlighted the urgent
need to call for attention to planning personal life in parallel with career choices and plans, within
a social constructionist logic of anticipation and prevention of conflicts between the two domains.