Ciberassédio na adolescência: Prevalência(s), reações à vitimação e mediação parental
Pereira, Filipa da Silva
Thesis
Tese de Doutoramento em Psicologia Aplicada
Cada vez mais jovens têm acesso às novas tecnologias de informação e comunicação
(TIC), maximizando-se o número de oportunidades de informação e de interação. Esse avanço
tecnológico e societal tem colocado, contudo, novos dilemas, designadamente a ocorrência de
ciberassédio. A investigação neste campo de estudo recente - o ciberassédio na adolescência -
enfrenta diversos desafios, persistindo uma pluralidade de lacunas conceptuais e metodológicas
a nível (inter)nacional.
A presente dissertação tem como principal objetivo mapear e identificar a natureza da
vitimação por ciberassédio e por cyberstalking na adolescência. Investigar os fatores preditores da
cibervitimação, discutir o papel do medo na definição de vitimação por via do cyberstalking e
compreender o processo de mediação parental na gestão do risco online dos adolescentes, são
objetivos adicionais e, igualmente, fundamentais.
O primeiro capítulo, de conceção teórica, apresenta o estado da arte atualizado sobre o
cibercrime e o ciberassédio na adolescência, destacando-se os elementos sociais, psicológicos e
digitais centrais para a compreensão destes fenómenos. Da revisão da literatura, sobressai a
existência de uma diversidade de formas, estratégias e dinâmicas de vitimação online. À luz das
atuais perspetivas teóricas no domínio da Vitimologia, reflete-se criticamente sobre os potenciais
fatores de risco para a vitimação online. O segundo trabalho, igualmente de caráter mais
conceptual (capítulo IV), teve como intuito proceder à demarcação do conceito de cyberstalking.
Nele discute-se a ambiguidade da sua definição, os principais obstáculos ao seu estudo junto da
população adolescente e o potencial nocivo que a vitimação por cyberstalking encerra. Em
paralelo, elabora-se uma discussão crítica sobre os diferentes pontos de convergência e de
divergência entre os fenómenos de cyberstalking e de cyberbullying na adolescência.
Relativamente aos trabalhos empíricos, o primeiro estudo (capítulo II) teve como propósito
captar a experiência de ciberassédio, com particular incidência no estudo dos seus intervenientes,
dinâmicas e reações à vitimação (i.e., sentimento de medo e procura de ajuda). A amostra era
constituída por 627 adolescentes (12-16 anos de idade). Através de um inquérito de autorrelato,
concluiu-se que o ciberassédio é uma experiência comum entre os adolescentes (60.8% foi vítima),
sendo que 66.1% das vítimas reportou estar duplamente envolvida enquanto vítima-agressor (i.e., overlap). Cerca de 24% foi alvo de ciberassédio durante 2 ou mais semanas, 37% manifestaram
medo e 45.9% procurou ajuda após o ciberassédio. O segundo estudo empírico (capítulo III)
identificou os fatores preditores da vitimação online. Com base na mesma amostra, realizou-se
uma análise de regressão logística. Os resultados corroboraram a relevância da teoria dos estilos
de vida e de rotina online na compreensão da cibervitimação. Adolescentes mais velhos, que
reportaram um maior número de comportamentos de risco e de agressão, e uma menor “tutela”
parental, apresentaram uma vulnerabilidade face à vitimação significativamente superior aos
restantes adolescentes. O terceiro estudo empírico (capítulo IV), teve como propósito estudar uma
modalidade da vitimação online que tem sido negligenciada pela literatura da especialidade: ser
alvo de cyberstalking na adolescência e a problematização do critério “medo”. Os resultados
confirmaram que o cyberstalking é uma forma agravada de ciberassédio (42.4% das vítimas
manifestou medo após a vitimação) e igualmente prevalente entre os adolescentes inquiridos
(61.9% reportou ser vítima). A partir de uma análise de regressão logística concluiu-se que o medo
resulta da interação complexa entre variáveis demográficas associadas ao próprio adolescente
(i.e., ser rapariga), às dinâmicas da vitimação (i.e. persistência, tipo de comportamentos
experienciados) e às características do ciberagressor (i.e., ser homem e mais velho).
Consequentemente, considerou-se crítico assumir o medo como uma resposta inevitável à
vitimação ou como elemento-chave na delimitação entre vítimas e não vítimas. No último estudo
empírico (capítulo VI) explorámos as perceções de pais e filhos sobre os comportamentos de risco
online, a cibervitimação, as estratégias de mediação parental e a sua eficácia. Das 385 díades
pais-filhos analisadas, concluiu-se que os pais minimizam a prática de comportamentos de risco
online e de experiências de ciberassédio, enquanto os adolescentes subestimam o grau de
mediação parental que é exercido. A par disso, concluiu-se que o exercício da mediação parental
e a perceção de eficácia dos pais variam em função da idade e do sexo dos adolescentes: as
raparigas e os adolescentes mais novos foram alvo de maior mediação parental e percecionaram
um maior grau de eficácia parental.
A presente dissertação finaliza com a discussão integrada dos principais contributos e
implicações para a investigação e para a prática profissional decorrentes dos resultados obtidos.
Recomendações dirigidas a adolescentes, famílias e escolas, são, igualmente, avançadas e
discutidas.
An increasing number of young people have access to the new information and
communication technologies (ICT), maximizing the quantity of information and interaction
opportunities that they have. However, this technological and social advance has brought new
dilemmas, such as the advent of cyber-harassment. Research in this recent field of study – cyberharassment
in adolescence - faces several challenges, persisting a plurality of conceptual and
methodological (inter)national gaps.
This dissertation aims to map and to identify the nature of victimization by cyberharassment
and by cyberstalking in adolescence. Investigate predictors of cyber-victimization,
discuss the role of fear in the definition of victimization via cyberstalking and understanding the
process of parental mediation in the management of an adolescent’s online risk, are also, critical
goals.
The first chapter presents the updated state of the art of cybercrime and cyber-harassment
in adolescence, highlighting the central social, psychological and digital elements to understand
these phenomena. From the literature review, emerges the existence of a diversity of forms,
strategies and dynamics of online victimization. In the light of the current theoretical perspectives
in the field of Victimology, we reflect critically on the potential risk factors of online victimization.
The second work (chapter IV), intends to carry out the definition of the cyberstalking concept. In
this chapter we discuss the ambiguity of this concept, the main barriers to their study amongst the
adolescent population and the potential harm of cyberstalking victimization. In parallel, we
elaborate a critical discussion on the different points of convergence and divergence between
cyberstalking and cyberbullying phenomena in adolescence.
Regarding to empirical works, the first study (chapter II) aims to capture the experience of
cyber-harassment, focusing particularly on the study of their actors, dynamics and reactions to
victimization (i.e. the feeling of fear and seeking help). The sample consisted of 627 adolescents
(12-16 years old). Through a self-report survey, we concluded that cyber-harassment is a common
experience among adolescents (60.8% were victims), and 66.1% of victims reported being doubly
involved as victim-aggressors (i.e., overlap). About 24% were a target of cyber-harassment for 2
weeks or more, 37% reported fear and 45.9% were seeking help after cyber-harassment victimization. The second empirical study (chapter III) identified predictors of online victimization.
Based on the same sample, a logistic regression analysis was performed. The results confirmed
the importance of online lifestyle-routine activities on understanding online victimization. Older
adolescents, who reported a higher number of risky behaviors and aggression, and a lesser
parental "guardianship", presented a vulnerability to victimization significantly higher than the other
adolescents. The third empirical study (chapter IV), aims to study a modality of online victimization
that has been neglected by the literature on this subject: being victim of cyberstalking in
adolescence and the problematization of the "fear" criterion. Results confirmed that cyberstalking
is an aggravated form of cyber-harassment (42.4% of victims reported fear after victimization) and
equally prevalent among the surveyed adolescents (61.9% reported being a victim). From a logistic
regression analysis, it was concluded that fear results from a complex interaction between
demographic variables associated with the adolescent (i.e. being a girl), to the dynamics of
victimization (i.e., persistence, type of behaviors experienced), and to the cyber-aggressor’s
characteristics (i.e., being a man and older). Consequently, we consider to be critical to assume
fear as an unavoidable reaction to victimization or as a key element in the delimitation of boundaries
between victims and non-victims. The last empirical study (chapter VI) explored the parental and
adolescents’ perceptions about online risky behaviors, cyber-victimization, parental mediation
strategies and their effectiveness. From the 385 dyads of parent-child analyzed, we concluded that
parents minimize the existence of online risky behaviors and cyber-harassment experiences, while
adolescents underestimate the level of parental mediation implemented. In addition, we found that
the exercise of parental mediation and the perception on parental efficacy vary according to
adolescent’s sex and age: girls and younger adolescents were targeted by higher parental
mediation and perceived a greater level of parental effectiveness.
This dissertation concludes with a discussion on the major contributions and implications
for research and practice arising from the obtained results. Recommendations addressed to
adolescents, families and schools, are also advanced and discussed.